quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Interioridades Interiorizadas

Acho que esta questão de desertificação, tem cada vez mais a ver com o aquecimento global… A metáfora é simples. Fala-se, fala-se, fala-se, sabemos que existe, sabemos que há maneiras de se combater e reverter tendências, mas... deixa andar. Preocupo-me com o aquecimento global, acho que é uma questão que merece medidas drásticas à escala mundial. Mas, não deixo de conduzir o meu carro de cinco cilindros, nem que seja para andar umas centenas de metros, fabricado há vinte e tal anos, numa altura em que aquecimento global só seria tema de conversa num filme do George Lucas. Com a desertificação é exactamente a mesma coisa. À mínima hipótese, vamos trabalhar para a metrópole, imbuímo-nos no espírito cosmopolita da cidade grande, arrendamos o nosso T1 para nos arrumarmos no meio daqueles “caixotes” empilhados, típicos da urbe, a que chamam prédios e, quando damos por nós, estamos numa dessas lojas FNAC, num desses centros comerciais repletos de impessoalidades, a assistir a mini conferências sobre combate à desertificação do interior, feitas por um urbanoide que do interior só deve conhecer o que viu no TV RURAL do Eng. Sousa Veloso. Bem… foi para desanuviar. Isto nem sempre é assim.

No outro dia no trabalho, um turista brasileiro colocou-me a questão sobre qual seria, a meu ver, o rei português que mais importância teria tido para o desenvolvimento do interior. Depois de pensar um pouco, respondi: “ Talvez D. Dinis.” De facto, este senhor tomou medidas inovadoras, para manter toda a região do interior beirão e transmontano, com índices demográficos bastante positivos. Fez investimento público, construindo ou reconstruindo castelos em tudo que era sitio e, mais importante, tomou medidas que, do ponto de vista económico, foram bastante importantes, como a criação de zonas francas, atribuição de cartas de feira ou de foral onde atribuía fortes regalias e isenções aos habitantes destas terras, ou a quem pretendesse vir para estas viver. Isto, como é obvio, é discutível. Já D. Afonso I tomou medidas de promoção ao povoamento destas bandas da raia, também seguidas por seu filho D. Sancho I “O Povoador”. Na altura, “De Castela nem bom vento, nem bom casamento”, de forma que seria melhor manter esta zona bem guarnecida, não fossem os senhores do lado de lá tecê-las. Mas, a ilação que eu quero tirar disto é que, a meu ver, andamos a desaprender. Se já na idade – média tínhamos medidas de descriminação positiva, porque é que hoje, os Governos, não aprendem com quem, há muitos anos, os antecedeu?

Eu, pessoalmente, acho que a situação do interior, não se resolve só com estradas. A medida é boa e necessária, mas peca por tardia. Além do mais, acho que as estradas, da mesma forma que melhoram as acessibilidades, também servem para fazer com que, quem por cá está, se vá embora mais rápido. Facto curioso, é que nós somos o único país que tem 200 km de distância entre interior e litoral e, mesmo assim, sofremos de um grau de êxodo rural superior a países bem maiores. Mais! Uma reforma administrativa, ou uma regionalização, nos moldes em que têm vindo a ser equacionadas, só vêm piorar a situação, tal como sucedeu com a Reforma Administrativa de Paços Manuel no séc. XIX. È como irmos amputando, constantemente, os membros gangrenados a um corpo, em vez de o tratarmos de forma conveniente. E não é o facto de existir mais uma, ou menos uma autarquia no interior, que vai tapar as misérias dos 8% de deficit orçamental. Se o pretexto for esse, então é melhor começarmos pelos institutos, direcções gerais, empresas públicas, empresas semi-publicas, enfim, aqueles gabinetes que proliferam pela nossa capital e que não se sabe muito bem para o que servem, esses sim, verdadeiros cancros a precisar de amputação pela raiz.

Sim, porque hoje, tal como ontem, de Castela, nem bom vento, nem bom casamento, mas se calhar, MELHOR SUSTENTO!!!

Carlos Fial


5 comentários:

  1. Caro Carlos Fial


    Parabéns pela abrangência do tema que você coloca em discussão.
    A meu ver um assunto tão intrincado e cheio de variantes em seu âmago que cada rumo que se tome dará para provocar uma série de debates que tanto podem-nos levar aquele mesmíssimo lugar comum como a algum tipo de solução.
    A sangria ou o esvaziamento populacional, como lhe queiramos chamar começou em nosso interior nos anos sessenta.Com o início da guerra colonial,os nossos jovens eram forçados a abandonar suas aldeias e logo que terminavam as suas campanhas em Africa a maioria não regressava.
    Foi certamente a emigração a que mais contribuiu para a desertificação de nossos rincõs interionanos.Para que as populações se consigam fixar à terra há que lhes satisfazer as necessidades básicas e dar-lhes o mínimo de condições para que tenham uma vida digna, simples mas digna.
    Isso não aconteceu nos anos sessenta e muito menos agora.Continua-se a emigrar, embora para outros lugares e sem a mesma intensidade.
    O problema persiste,sem que os nossos governantes se deem conta disso.
    Por volta de 1890, através de um convénio com a Itália o Brasil recrutou milhares de famílias italianos para trabalhar nos cafezais.
    Alguns navios sairam do porto de Veneza e Génova lotados de homens,mulheres e crianças.
    Um navio estava prestes a zarpar,já com seus passageiros de lenço branco na mão para fazer o sinal do adeus, um ministro de Estado subiu no palanque e exortou os italinas para que não emigrassem,a Pátria os amava. Então uma voz forte e serena disse:"Como a pátria ama os seus filhos? pois aramamos, semeamos, colhemos o trigo mas não comemos o seu pão, plantamos,tratamos das videiras, colhemos as uvas, fazemos o vinho mas não o bebemos, tratamos dos animais mas não comemos a sua carne.Que Pátria ou que governo é esse que ama os seus filhos? "
    O sintoma é o mesmo de hoje. Para quê colher a uva se é paga a E$ 0,05 cêntimos ou dez escudos, para quê plantar batata se nem paga o custo e porque não dizer de outros prudutos agrícolas. Apenas uma exceção para a uva vinífera do vinho do Porto que é bem paga.
    Em Agosto visitei o Pingo Doce, na Guarda. Fiquei triste, porque de mais de cincoenta caixas de fruta só tinha uma embalagem com fruta portuguesa, o resto era de várias nacionalidades, e o mais chocante é que frutas genoínas de paises temperados estão sendo importadas de países tropicais onde o custeio é muito mais caro do que em países temperados.'Vá lá entender a tal de Economia'.
    Com certeza se não forem criadas políticas agrícolas onde a educação para acompetitividade tenha um cunho forte seremos engulidos não só pelos nossos vizinhos, como já estamos sendo, como por outros países de menor expressão mas com políticas económicas mais agressivas.
    Se quizermos ir à frente precisamos criar projetos agrícolas de pequeno ou grande porte que sejam capazes de rentabilizar o capital e cujos frutos possam competir no mercado de igual para igual. É necessário a criação de empreendimentos industriais em lugares afeitos a esse tipo de serviço.Fomentar o pequeno comércio é urgentíssimo. Necessitamos de gente, gente que trabalhe, que gere riquesas e que consuma. A Economia é um círculo.
    Não adianta a formação e criação de confrarias, isso é para glutões que só pensam em comer. Navegar é preciso que nem dizia o poeta, e eu digo e trabalhar também.Deixemos a política para os políticos e fiquemos como cães de guarda fiscalizando os seu atos e os seus passos para que não saim fora dos trilhos.A coisa pública é um bem comum e como tal não pode ser desvirtuada por um qualquer.
    Para finalizar,penso que a desertificação é um caso sério,que está implantado em nossa região,é urgente ser resolvido pelos políticos que foram eleitos para governar e a palavra governar é muito forte, quer dizer precisamente: RESOLUÇAO DOS PROBLEMAS.


    Luís Filipe- Porto Ferreira-Brasil

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  2. Caro Luis Filipe:

    Mais uma vez, muito me apraz poder contar com a sua opinião. E, se diz que o meu texto é abrangente, o seu foca pontos de elevado interesse. De facto, e esta é a minha intenção, o debate do fenómeno da interioridade, não se deve resumir ao factor económico. Envolve factores sociais e até culturais, que espero colocar aqui a debate.
    Sabemos que um dos sectores principais, senão o principal, da economia do interior português era a agricultura. No entanto - e este é um dos temas que gostaria aqui de debater, isoladamente, num futuro próximo - por razões várias, a agricultura da nossa região não foge à regra da agricultura nacional. Aliás, da mesma forma que falo da agricultura, poderia falar da pecuária e pastorícia, ou então, ao nível nacional, das pescas, dos lanifícios, da metalurgia... Isto apenas para dizer que, a realidade que hoje constatamos, diz-nos que perdemos a capacidade de fazer aquilo em que, durante séculos, éramos dos melhores a fazer. Pior ainda, é o facto de não conseguirmos alcançar o sucesso na nossa terra e, ao emigrar para terras distantes, alcançamos níveis de excelência que nunca teríamos no nosso país.

    Tudo para dizer que, o problema da desertificação, tendo em conta a complexidade que envolve, devido à abrangência não só das suas causas e efeitos, mas também ao nível do seu combate, merece – e assim tentarei fazer – ser tratado de forma mais especifica.

    Do lado de cá do mar que nos separa lhe mando um forte abraço, e lhe agradeço ( e espero que assim continue ) a sua participação.

    Atentamente:

    Carlos Fial

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  3. Amigo Carlos,
    Concordo plenamente com o que foi escrito tanto por ti, como pelo Sr. Luis Filipe, mas o que é que um concelho do Interior como o da Meda, que em toda a sua história foi um concelho agricula poderá fazer para combater a desertificação? Não sei?
    Concordo plenamente que a regionalização não trará nada de novo, pelo contrário, seram apenas mais uns cargos politicos, de que este país está farto e cheio.
    Regionalizar só por regionalizar não vale a pena, o que tem de ser feito( e isto são politicas Nacionais), é exactamente dar condições, a nível de impostos, regalias e porque não incentivos(monetários) para as pessoa que se queiram fixar no Interior do País.
    Fixar, não só viver, mas também investir, principalmente investir que é o que mais falta faz no nosso Concelho.

    Em comparação com o nosso vizinho Concelho de Trancoso, a Meda sofreu um duro golpe na desertificação(peço desculpa por falar várias vezes em Trancoso, mas trablhei lá 10 anos), a Meda no espaço de 10 anos entre 1991 e 2001, perdeu cerca de 1.500 pessoas, enquanto Trancoso, apenas perdeu pouco mais de 500.

    Acho que como foi dito o investimento privado tem de ser o grande impulsionador para a fixação das pessoas, mas isso só será possível se houver uma politica de apoio ao investimento privado através de uma parceria entre o Governo central e a Autarquia,

    Um grande abraço
    Pedro Lourenço

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  4. Caríssimo Carlos Fial

    O meu amigo Luís Filipe já me tirou algumas das palavras sobre o problema da desertificação do interior em geral e da especifidade da nossa terra.
    Ele e eu somos do tempo em que a nossa geração ainda conheceu a Meda com uma população razoável e cuja emigração tinha como destino as Áfricas e o Brasil.
    A comunidade local vivia prática e exclusivamente da actividade agrícola, que apesar do atraso da mesma ainda conseguia dar algum movimento ao comércio.
    Os pequenos agricultores, com os magros proventos, ainda investiam em algumas pequenas obras e movimentavam a economia local.
    Vieram os anos 60 e a descoberta da Europa.
    Forte emigração clandestina que foi despovoando as nosssas terras, mas que com as suas "remessas" se iam tornando "proprietários" locais.
    Quem não se lembra do aumento da população que, nesses tempos, tinha a "vila" pela altura das "vacances" ?!
    A guerra "colonial" levou a nossa juventude, que nunca tinha saído da terra, para outras paragens e outras civilizações.
    Os que voltavam não encontravam emprego e de novo partiam em busca de trabalho e de comodidades que a sua terra não lhes oferecia.
    Os seus novos hábitos e necessiades tinham mudado e a adaptação ás origens eram difíceis.
    Os "franceses" tiveram filhos e foram-se fixando nas suas terras adoptivas, perdendo a ideia inicial de que um dia regressariam.
    Começou a crescente desertificação da nossa "vila". Primeiro pela via económica e depois pela cultural.
    É um fenómeno complexo e com muitas variáveis, mas o problema é transversal a todo o interior.
    Acordou-se tarde e as consequências estão á vista.
    Hoje, apesar de muitas infra-estruturas bem melhores do que muitos subúrbios das grandes cidades, as pessoas criaram raízes e não regressam.
    A excessiva politização dos empregos e a falta da iniciativa privada, não gerou as condições necessárias ao equilibrado desenvolvimento harmonioso para fixação das gentes do nosso concelho.
    Confesso que não é fácil, mas há que ter esperança.
    Sou dos que acredito na juventude e na sua capacidade renovadora. Hoje existe uma matéria-prima com muita mais cultura do que a da minha geração, que para poder "estudar" tinha que abalar da terra.
    Hoje há condições muito diferentes das dessa altura.
    Não prevejo a repovoação, mas pelo menos que se páre a desertificação.

    Força MEDA.

    Muito mais haveria para dizer, mas seria longo e abusivo.
    Venham mais contribuições para o tema, pois todos não seremos de mais.

    O Abraço

    Lusitano Amaral

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  5. Caríssimos,

    Certa de que esta é uma questão bastante grave com a qual se debatem, na actualidade, os concelhos do interior de Portugal, acredito que este processo migratório alcançará, muito em breve, um retorno.
    Dado que as minhas raízes, um tanto ao quanto ancestrais(4ªgeração), se encontram no concelho vizinho de Vila Nova de Fozcôa, desde cedo aspirei a deixar a minha cidade natal, o Porto, e abraçar um projecto de vida por lá. Anteriormente quando abordava o assunto, a maioria das pessoas desmotivava-me, alertando-me para o facto de ir sofrer de um enorme isolamento...mas as mentalidades estão claramente em mudança e, nos dias de hoje, quando abordo esse assunto com os "citadinos" noto que muitos destes encaram uma mudança de vida deste género com entusiasmo. Para quem conhece bem as duas realidades, só pode concordar que a qualidade de vida é sinónimo de ambientes rurais e que, de certa forma, o isolamento tende a esbater-se. Por tal, acredito que o paradigma irá mudar, se calhar não tão rapidamente como desejaríamos, e a Meda, assim como muitos outros concelhos do interior, começaram a receber população jovem empenhada em trazer desenvolvimento e a criar condições de vida de qualidade.
    A mudança começa agora e os municípios têm de estar empenhados em receber estes novos migrantes. No caso da Meda, por exemplo, não existe nenhum programa de incentivo à fixação de população activa proveniente de outros pontos do país, como acontece já nalguns outros concelhos do distrito da Guarda.
    Se queremos ter sucesso temos de implementar medidas!!!

    Cumprimentos
    Joana Seabra

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